sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Colaboração do Grande Sidney Giovenazzi

MAIS QUE UM BRIGADEIRO


Você faz tudo o que quer? Tá bom, vive-se no estado democrático de direito, mas insisto: você está satisfeito?

O ‘sistema’, a ‘economia’, a civilização, enfim, é organizada de maneira apaixonante. Não obstante essa insistente mazela da competição, a repartição das funções em talentos (eu faço o pão, você faz o guaraná e ela, a mortadela) faz a sociedade funcionar na base da solidariedade. Sim, é isso mesmo. Essa sociedade desagradável e estupidificada é solidária. A competição reside na quantidade dentro do mesmo talento. Uma infelicidade do prazer sexual...

Com esse mundo de gente sabendo só fazer pão no mundo, sustentamos a corrupção e a maledicência. A cibernética pulverizou as capacidades, produzindo inéditas atividades, mas não será suficiente. Por outro lado, esses mesmos avanços incrementam a velocidade da circulação do sangue produtivo e surge, social, a maior capacidade humana: a idéia.

A idéia é fruto da associação de muitas excelências e seu veículo e seu revelador é a velocidade. O Zé sente que poderia ter tido a idéia, mas João foi mais rápido na síntese e na atuação pessoal sobre aquela informação e acabou sendo o autor dela. Parabéns, João!

O sociólogo Domenico De Masi foi o João do meu Zé. Foi impressionante conhecer sua teoria de que o homem iminente terá tempo de sobra e se ocupará das artes e da reflexão. Que futuro bem-vindo! Passei minha vida defendendo essa tese e cobrando das pessoas fidelidade a si mesmas, e não a um time, partido político, religião ou marido. Isso é para os cães! Eu achava que, pensando mais em se satisfazer, automaticamente as pessoas iriam esvaziando o ambiente da competição e migrando para as atividades lúdicas. Assim, calculava que a grande guinada da sociedade poderia se realizar em paz. Mas o diabo é que eu não havia elaborado a parábola. Esse homem teve a rapidez de construir a síntese objetiva desse misto de leitura e projeção de uma vontade apaixonada e benevolente e, assim, chispou a idéia incrível que o notabilizou como um dos maiores pensadores vivos.

Tudo bem, não fiquei com raiva. Sério! Fiquei feliz. Ninguém tem raiva porque o Caetano canta que você é minha mais que demais. Ninguém tem bronca da catedral de Gaudi ou da poesia vertical do Kastro. Festejamos os ideantes, mas precisamos ter nosso momento de produzir a Idéia (fiquei muito triste por a ‘ideia’ ter perdido o acento...).

Costumo lembrar os tempos em que o acesso à música era por dentro. Você comprava a partitura, ia pra casa e tentava tocar no piano. Não por acaso, as pessoas dessa época eram românticas, sonhadoras, mas foram presa fácil das águias das grandes guerras. Aquilo era um começo. Foi drasticamente interrompido. A contracultura resgataria esse momento, concitando a todos que se observassem de fato e que dessem um pouco de atenção àquele negro viciado e canhoto fazer aquela miríade de ruídos talvez desagradáveis naquele instrumento ensurdecedor. Sim, não ouçam mais nada! Apenas percebam que podem ouvir. Chega de dar crédito aos imbecis da política ou das propagandas.

Sem a contracultura, não teríamos essa força incontrolável nos empurrando para dominar uma internet sem dominadores. Poderíamos ter ocupado as rádios, as televisões e os jornais. Mas eles ficaram com os idiotas e uma parte também idiota de nós, ainda por cima, mesmo achando tudo isso idiotice, precisa um pouco desse lixo. É a excentricidade da pobreza! Agora, a semente, que demorou, rendeu frutos. E tanto é uma nova atitude, que outras ferramentas informáticas são utilizadas também de forma a emancipar nossa criatividade e expor nossas idéias. Muita gente produz sua música no próprio computador, expõe sua poesia em blogues e a mentira vai perder espaço.

Continuamos insatisfeitos, e isso é muito bom. Mas começamos a dizer isso de forma criativa. Assim, a possibilidade de nos realizar e sobreviver no interesse de um outro, deixa de ser a única maneira de interagirmos nessa gigantesca teia da solidariedade funcional da sociedade. Agora temos alternativa. Alternativas. Expressar a nós mesmos. E seremos cada vez mais diferentes, sem que isso gere crise ou guerras. Sem que isso nos obrigue ao manejo da competição. Grave uma colher de pau numa panela em seu computador. Poderá fazer mais que um brigadeiro...

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